Terceirização | Um mal que precisa ser arduamente combatido no funcionalismo público

Terceirização | Um mal que precisa ser arduamente combatido no funcionalismo público

A terceirização tem se apresentado como possibilidade à administração pública no sentido de dar resposta aos problemas dos serviços de saúde, educação, segurança e demais setores. Apresenta-se como alternativa racional, imparcial e até científica à morosidade, à corrupção e ineficiência apresentadas como naturais e insolúveis no serviço público.

Com frequência observamos nos defensores da “gestão pública racional e científica” a equiparação entre administração pública e administração empresarial, ou, em alguns casos, comparação entre administração pública e administração doméstica (poderíamos nos aprofundar neste ponto, pois reside aqui graves “equívocos”, como o de entender os cidadãos como clientes, além de constatar a desapropriação do sentimento de comunalidade, a naturalização dos fenômenos sociais e o esvaziamento da ideia de contradição, da produção de sentido, além da banalização da política como uma querela desnecessária e juvenil).

Tratemos, por hora, dos efeitos mais diretos da terceirização.

Com frequência os defensores da terceirização alegam que o prestador de serviço apresenta mais agilidade, melhores preços, menos corrupção e mais eficiência do que a administração pública direta, retratada, sobretudo pelos grandes órgãos de imprensa, como lenta, “inchada”, morosa e corrupta. Esses órgãos argumentam que os serviços terceirizados não sofrem apagões, pois as máquinas e pessoas sempre e rapidamente são substituídas, que há maior controle dos atos por haver mais fiscalização e que são mais eficientes e eficazes por estarem pautados pela lógica do lucro e pela cobrança da chefia (nesse ponto os jornais não se privam de caracterizar o Servidor público de carreira como preguiçoso e lento e de destacar a estabilidade como a causa para estes problemas.

Não apenas naturalizam e simplificam como defendem o medo de ser demitido como estratégia de gestão e entendem que este é o maior motivador para o trabalhador). Além de frágil e contrária a qualquer manual de recursos humanos ou corrente da ciência psicológica, a defesa irrestrita da quebra da estabilidade desconsidera os riscos da relação patrão/empregado e do uso indevido do poder político para fins eleitoreiros. “Ignora” que justamente a estabilidade reduz as rupturas nas rotinas decisórias e que sua ausência implica perda da memória técnica, dificuldade de planejamento descontinuidade da prestação do serviço e rompimento do fluxo de informações.

Os argumentos contrários à estabilidade são deliberadamente falaciosos e tendenciosos, além de ignorarem os números largamente dispostos nas literaturas e negarem a realidade observada cotidianamente.

A respeito dos salários, por exemplo, temos:

Comparando-se o número de Servidores públicos ao total de trabalhadores em uma amostra de vários países, o Brasil não lidera a lista, pelo contrário, ocupa a 27º posição, ou seja, temos muito menos Servidores públicos do que os necessários para atender as demandas da população.

Temos, ainda, os salários variando drasticamente dependendo da esfera de atuação. Servidores municipais, que são maioria no funcionalismo público, ganham, em média, 1% menos que o setor privado, segundo o Banco Mundial. Cerca de metade desses Servidores ganha até R$ 2.000, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. No entanto, os Servidores federais têm um prêmio salarial de 96% em relação aos seus equivalentes da iniciativa privada, ou seja, ganham quase o dobro, alguns destes cargos inclusive foram justamente aqueles que ficaram de fora da reforma administrativa. Em outras palavras, o Brasil reproduz na administração pública a mesma injustiça e diferenciação que se observa em outros setores. Uma ínfima parcela ganha salários milionários, com todos seus impactos sobre as folhas de pagamento, enquanto a maioria absoluta dos trabalhadores não recebe o suficiente para necessidades básicas diárias.

A respeito da eficiência do serviço público, temos exemplos de diversas empresas que foram privatizadas com a promessa de eficiência e preço baixo. Vejamos, por exemplo, como funciona o sistema de telefonia: o Brasil ocupa atualmente a 73º posição mundial em infraestrutura, ou seja, temos poucas operadoras e um serviço caro e de má qualidade. Por outro lado, temos o Sistema Único de Saúde, que, ainda que pesem todos os problemas conhecidos, como demoras, filas e falta de estruturas, conta com exemplos de excelências que são elogiados pelo mundo todo, como sistemas de vacinação, cirurgias de transplante e práticas em saúde mental (ou melhor, eram antes deste governo desastroso, com a diminuição dos investimentos e desmontes do controle social e políticas de saúde).

Outro argumento sempre a favor da terceirização diz respeito à estabilidade. Há um entendimento comum de que, após empossado, o servidor nunca mais é avaliado e poderá fazer o que quiser, pois não será demitido nem sofrerá sanção. A realidade, no entanto, é bastante diferente. Os Servidores , pela legislação atual, passam por três anos de período probatório, após o qual adquirem estabilidade, cumprem funções previstas e descritas em leis e normativas, seguem hierarquia e, com frequência, respondem a processos administrativos. Ademais, alguns casos resultam em advertências, suspensão ou exoneração (neste último caso, fica proibido de prestar alguns concursos por longos períodos ou de forma permanente).

Aqueles casos de Servidores que cometeram crimes e foram aposentados compulsoriamente e continuam recebendo salário ou aqueles que, também após crimes graves, seguem com iguais proventos, e que os canais de televisão insistem em mostrar e estender a toda categoria, se referem, de modo geral, a juízes, promotores ou deputados. A massa de trabalhadores sofre cotidianos de cobranças indevidas, punições injustas, falta de condições de trabalhos, ausências de políticas de promoção e toda ordem de assédios velados.

Exemplo emblemático das argumentações expostas acima tivemos em Paulínia recentemente. A funcionária da empresa terceirizada não foi trabalhar e, para substituí-la, a administração direta indicou uma funcionária de carreira. Temos neste exemplo real a demonstração da falta de eficiência e do descompromisso que podem estar presentes em empresas privadas, além do custo adicional que representam algumas terceirizações. Além disso, há demonstração da negligência da situação à qual a Servidora foi exposta, tendo exercido, a fim de não prejudicar o cidadão, função diferente da sua, e, inclusive, sido exposta a risco, além do sentido de comunidade da Servidora que assumiu a função, e do sentido político desta ação.

Rodrigo Jacquet é presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Paulínia (STSPMP)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

×