Artigo | Qual deve ser a posição do sindicalismo brasileiro no governo Lula?

Artigo | Qual deve ser a posição do sindicalismo brasileiro no governo Lula?

Ouça a matéria!

 

Imagem destacada: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Em 2022, diante de um cenário eleitoral considerado decisivo para os rumos da democracia brasileira, as principais centrais sindicais do país tomaram lado e se pronunciaram em defesa da candidatura de Lula da Silva (PT) contra Jair Bolsonaro (PL).

Em campanhas virtuais e presenciais, as centrais sindicais se colocaram contra o projeto neofascista e neoliberal representado pelo ex-presidente Bolsonaro, e contribuíram com o processo político que culminou na terceira vitória eleitoral de Lula e na quinta vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) na presidência da república.

➡ PARTICIPAÇÃO DAS CENTRAIS

Em monitoramento realizado ao longo de 2022, nota-se que as nove principais centrais sindicais brasileiras – Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical (FS), Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), União Geral dos Trabalhadores (UGT), Central Sindical Brasileira (CSB), Nova Central Sindical dos Trabalhadores (NCST), Central Sindical e Popular (CSP) – Conlutas, Intersindical (Instrumento) e Intersindical (Central) –, foram favoráveis à candidatura de Lula, embora de maneiras distintas.

As organizações da cúpula do sindicalismo brasileiro apresentaram notável variação quanto ao envolvimento político durante os períodos de pré-campanha e campanha do primeiro e do segundo turno, além de notável diferença quanto à proposição de medidas na plataforma política do novo governo.”

Uma análise preliminar dos dados aponta que desde o início de 2022 a CUT realizou uma campanha pautada pelo desgaste da figura de Bolsonaro e por denúncias diversas sobre seu governo, ao passo em que divulgava notícias favoráveis sobre o histórico, os discursos recentes e a liderança de Lula nas pesquisas eleitorais.

Embora em menor intensidade, postura semelhante foi seguida pela FS e pela UGT, as outras duas maiores centrais sindicais brasileiras. Desta forma, as três centrais, desde janeiro de 2022, já sinalizavam campanha para Lula.

➡ DEFESA DA DEMOCRACIA

As demais centrais sindicais foram se envolvendo com o debate eleitoral de maneira mais tímida. Parte se limitou ao discurso da defesa da democracia, com algumas trazendo elementos mais propositivos. Destaca-se que das centrais à esquerda – isto é, CSP-Conlutas, Intersindical (Instrumento) e a Intersindical (Central) – houve uma notável denúncia das diversas medidas antipopulares do governo Bolsonaro e seus acenos golpistas, com o voto em Lula sendo indicado somente às vésperas do primeiro turno ou entre o primeiro e o segundo turno. A defesa deste candidato era sempre alinhada à defesa da democracia.

Empossado em uma cerimônia muito emocionante, com a Esplanada dos Ministérios tomada por uma multidão em festa e vestida de vermelho, Lula fez um discurso defendendo, dentre diversos outros pontos, a ampliação da legislação social e trabalhista e a criação de medidas que geram emprego e renda – conteúdo que já era apresentado desde a pré-campanha como um compromisso, simbolicamente selado em um encontro de Lula e de seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), com dirigentes sindicais em abril de 2022.

Dentre as principais medidas já tomadas pelo novo governo, destaca-se a reorganização do Ministério do Trabalho – que inicialmente foi extinto por Bolsonaro, em 2018, e anexado às competências do superministério da Economia, gerido pelo então ministro Paulo Guedes, e posteriormente recriado, em 2021, anexando o então ministro Onyx Lorenzoni.”

Esse ato demonstra que a pauta do chamado “mundo do trabalho” terá espaço no novo governo. Resta sabermos, porém, o quanto de espaço terá e se, tendo espaço, para qual dos dois lados as novas medidas penderão majoritariamente no próximo período: se para a reversão dos últimos retrocessos e ampliação dos direitos sociais e trabalhistas ou para a flexibilização e rebaixamento desses direitos.

O novo ministro do Trabalho, Luiz Marinho (PT), além de ser uma figura reconhecida no meio sindical, apresenta um longo histórico de militância e gestão pública. Marinho foi presidente da CUT e ocupou diferentes cargos na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC Paulista, chegando a presidi-lo por três mandatos; além disso, foi prefeito por dois mandatos consecutivos em São Bernardo do Campo (SP) e ex-ministro dos ministérios do Trabalho e da Previdência Social.

Uma das principais medidas que se encontram na esteira de discussão do novo governo é a revogação da reforma trabalhista de 2017. Esta medida, que alterou diversas normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – representando grave rebaixamento dos direitos sociais e trabalhistas e aprofundando o processo de precarização social do trabalho, consonante com o programa neoliberal de Temer (MDB) e Bolsonaro –, foi criticada por Lula desde a pré-campanha e foi se apagando no discurso do petista ao longo do processo eleitoral.

Empossado, o novo ministro do Trabalho agora fala em revogar a reforma de maneira fatiada, ou seja, sem reverter por completo todo o retrocesso cometido contra a CLT.”

➡ MOVIMENTOS SOCIAIS E SINDICAIS

O grau de reversão das medidas contidas na reforma trabalhista de 2017 e o nível de melhoria e ampliação das novas legislações sociais e trabalhistas estão longe de depender apenas das vontades do novo governo. Dependem, sobretudo, do envolvimento dos agentes interessados nesta discussão, isto é, dos movimentos sociais e do sindicalismo, e de suas capacidades de negociação e pressão diante do novo governo.

E aqui se encontra o novo-velho desafio – novo porque se abre um novo contexto, mais favorável ao conjunto da classe trabalhadora, que sofre com uma profunda derrota desde o golpe de 2016; velho porque a história já nos trouxe algumas lições.”

Questionamos: de que forma o conjunto do sindicalismo, representado por sua cúpula, seguirá com o governo recém-empossado?

Os mandatos de Lula e Dilma (PT) nos deram lições importantes, dentre elas, que o ingresso na estrutura governamental e a criação de canais de diálogo institucional não são suficientes para a elaboração e a aprovação de medidas que representam os anseios das classes trabalhadoras, podendo, sim, permitir que haja retrocessos significativos em suas condições de trabalho.

Ademais, que podem comprometer a autonomia política e impedir ou dificultar a pressão pelas bases em direção ao avanço nos direitos sociais e trabalhistas. Neste sentido, assumir uma postura que não recusa os acertos, mas que também não se furta à crítica e à luta pela ampliação dos direitos, de forma conectada às reais demandas da base da sociedade, seria a mais acertada.

Além do debate sobre a reforma trabalhista, a regulamentação do trabalho por plataformas digitais é uma polêmica que exige respostas urgentes. A primeira mobilização anunciada nesse momento inaugural do terceiro governo de Lula é justamente uma nova greve de entregadores por aplicativos. Reconhecendo que o cenário é mais favorável a suas demandas, esses trabalhadores reivindicam melhorias em suas condições de trabalho e vida e pedem que suas demandas sejam atendidas pelo novo governo.

➡ DESAFIOS

São muitos interesses a serem considerados por Lula e Marinho, pois acadêmicos, juristas e sindicalistas tendem a defender a regulamentação via Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) – ou seja, a formalização do trabalho –, enquanto as empresas pressionam para a manutenção da ausência de vínculo de emprego e o movimento da categoria, que abrange diversas associações e organizações não sindicais, pede algo híbrido – sem o vínculo empregatício, mas com a concessão de certos direitos.

Sem dúvida estamos com melhores condições para a luta do conjunto da classe trabalhadora e com maior possibilidade de diálogo e reivindicação. O novo governo se inicia com o alívio de que expurgamos Bolsonaro do maior posto político em nosso país, embora o movimento neofascista continue entranhado em nossa sociedade.”

Sabemos que a luta é necessária, e o sindicalismo poderá ser um agente político importante na transformação deste cenário e no alargamento da democracia. Esperamos que este agente apresente como prática política o que a história nos deu como lição em um passado não muito distante. 

 

Eduardo Rezende Pereira é doutorando em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e militante da Consulta Popular.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

×