Reivindicamos a contratação emergencial de mais profissionais
A Atenção Básica é responsável pela resolução de 80% dos problemas de saúde da população (1), com inúmeros estudos apontando que mesmo em países ricos com baixa orientação para Atenção Primária, os indicadores em saúde são piores do que países mais pobres mas com alta orientação para Atenção Básica (1).
Há também resultados positivos apontados em diferentes estudos abordando a Saúde da Família, que abrangem diferentes fatores, como por exemplo, a avaliação dos usuários, dos gestores e dos profissionais de saúde, a oferta de ações de saúde e de acesso e uso dos serviços, a redução da mortalidade infantil, a redução de internações por condições sensíveis à APS e a melhoria de indicadores socioeconômicos da população (2).
No contexto do enfrentamento a uma crise sanitária, como apresentada pela pandemia por COVID-19, não poderia ser diferente. A Atenção Básica tem um papel fundamental no controle da doença. Apostar no que é a alma da Atenção Básica – como o conhecimento do território, o acesso, a integralidade da assistência, o vínculo entre o usuário e a equipe de saúde, o monitoramento das famílias vulneráveis, avaliação de risco, o olhar sistêmico sobre o usuário e a comunidade e o acompanhamento dos casos suspeitos e confirmados – é estratégia fundamental para controle da pandemia (3–5).
Diversas experiências internacionais apontam a Atenção Básica como forte arma para o enfrentamento da doença, e reforçam a importância de atuação no território, nas ferramentas de comunicação e teleatendimento, busca ativa no território e treinamento de trabalhadores comunitários (6). Países como Cuba e Reino Unido demonstram a importância desse nível de Atenção (6,7).
IMPACTOS
No Brasil, a pandemia teve maior impacto na população mais vulnerável (pobre, preta e com relações de trabalho degradadas), maior até que o impacto da idade ou doenças crônicas associadas
(8–10). Sendo a Atenção Básica como um dos mecanismos de acesso às populações vulneráveis e também como redutor de desigualdades, no Brasil o fortalecimento da Atenção Básica tem uma importância ainda maior.
Paulínia é a cidade com maior PIB per capta do Brasil em anos consecutivos (11,12) e a terceira cidade do Brasil com maior investimento per capta em saúde (13) . No entanto, na contramão do que demonstram as experiências nacionais e internacionais, apresenta baixa orientação para Atenção Primária. Apresenta, do gasto total em saúde, investimento menor que 20% neste nível de atenção, em anos consecutivos (14) e não adere a programas que apresentam inúmeras evidências de melhorias em indicadores em saúde como o Programa de Agentes Comunitários de Saúde e a Estratégia Saúde da Família (15,16).
Durante a pandemia, a Secretaria de Saúde se comportou como tem se comportado historicamente. Apostou somente em um grande investimento em tecnologias duras (também necessárias, mas não suficientes), como aquisição de máquina de realização de RT-PCR, ampliação de leitos de enfermaria e UTI, aquisição de respiradores e realização de contração emergencial de profissionais apenas para o Hospital Municipal de Paulínia.
A Atenção Básica, durante a pandemia, permaneceu com profissionais aposentados e demitidos sem reposição, havendo uma clara diminuição do quadro de trabalhadores. A única categoria que apresentou incremento de carga horária foi a de médico clínico, e ainda assim por meio de contratação por prestação de serviços (pessoa jurídica). Além disso, não houve nenhuma aposta institucional para maior intervenção no território, busca ativa, controle e monitoramento dos casos, readequação estrutural das unidades etc.
AÇÃO
No que tange às tecnologias de comunicação houve criação de um centro de telemedicina, mas descolada dos territórios. As UBS’s permanecem sem instrumentos para realização de comunicação efetiva com a comunidade, tanto por falta de infraestrutura, quanto por falta de trabalhadores.
É evidente que essa forma de gerir a Atenção Básica trás menor eficácia para o Sistema de Saúde no controle da pandemia. Há, também, uma clara sobrecarga dos trabalhadores de saúde, que estão mantendo atividades rotineiras das UBS’s (consultas, vacinação, curativo, coleta de exames, acolhimento à demanda espontânea, administração de medicamentos, fornecimento de medicamentos etc.), associado ao atendimento e monitoramento dos casos sintomáticos respiratórios. Houve um claro aumento da demanda nas Unidades, mas com menor número de trabalhadores devido à não reposição das perdas.
Além da sobrecarga de trabalho, há aumento da carga emocional dos trabalhadores de saúde da linha de frente durante a pandemia (17,18). Há, no entanto, algumas medidas que apresentam efeito protetor sobre o sofrimento mental dos trabalhadores como: redução das jornadas de trabalho, valorização profissional, melhoria nas condições de trabalho, suporte social e psicológico aos profissionais da saúde (17,19).
CONTRAMÃO
Apesar disso, a Atenção Básica de Paulínia novamente segue na contramão das evidências científicas: durante a pandemia houve manutenção das jornadas de trabalho (e até aumento através de horas extras para compensar a diminuição de profissionais), precarização das condições de trabalho (por não haver readequação da infraestrutura para a nova condição sanitária e pela intensificação do trabalho com aumento do déficit de trabalhadores e aumento da demanda) e ausência de suporte social e psicológico pela Secretaria de Saúde.
Houve o adicional pandemia aos profissionais da linha de frente, com acréscimo de cerca de R$400,00 ao salário dos profissionais de linha de frente, o que está muito aquém de ser considerado como valorização profissional (continuam sem Plano de Cargos e Carreiras, tiveram expressivas perdas salariais nos últimos 3 anos, continuam fora do protagonismo de definição e planejamento de ações em saúde, tiveram poucos espaços de educação permanente etc).
Dessa maneira, considerando a importância da Atenção Primária no enfrentamento da pandemia e das experiências exitosas, nacionais e internacionais, reivindicamos maior orientação para Atenção Primária de Paulínia para enfrentamento da doença a nível municipal. Como reivindicação prioritária, solicitamos contratação emergencial de profissionais para Atenção Primária, principalmente os profissionais não médicos (enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos, assistentes sociais, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais etc) e urgentemente trabalhadores comunitários (Agentes Comunitários de Saúde).
Referências Bibliográficas
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12. IBGE | Cidades@ | São Paulo | Paulínia | Pesquisa | Produto Interno Bruto dos Municípios | PIB a preços correntes | 2015 [Internet]. [cited 2021 Feb 3]. Available from: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/paulinia/pesquisa/38/47001?tipo=ranking&ano=2015&indicador=47001
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